Sunday, June 03, 2007


HISTÓRIA DAS IDEIAS POLÍTICAS
Docente
José Esteves Pereira
Monitora
Isabel Ribeiro

29.05.07 Sessão nº 21
Sumário
O pensamento liberal de Benjamin Constant e a corrente dos “doutrinários”.
Breve referência ao pensamento político europeu de 1815 a 1830.

Bibliografia recomendada:
António Manuel Hespanha, Uma nota sobre Benjamim Constant
http://www.hespanha.net/sitebuildercontent/sitebuilderfiles/00_constant_sintese.pdf


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Para eventual aprofundamento:
Maria Luisa Sanchez –Mejia, Benjamin Constant y la construcción del liberalismo posrevolucionario, Madrid, AlianzaUniversidad, 1992

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Duas páginas de Benjamin Constant sobre os poderes constitucionais




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O LIBERALISMO DE BENJAMIN CONSTANT




"Foi Benjamin Constant quem defendeu com mais brilho o liberalismo individualista.Introduzido pelos Ideólogos e por Madame de Staël na filosofia do século XVIII, foi, primeiro contra Napoleâo, depois contra o partido Ultra durante a Restauração o teórico das ideias liberais(...) A ideia dominante é uma desconfiança sistemática em relação ao Estado. Constant atribui-lhe a vontade de destruir a liberdade usurpando incessantemente os direitos do indivíduo. Portanto, é preciso, antes de tudo, que "uma parte da existência individual" esteja "fora da competência social"; trata-se dos "direitos naturais"do homem, a saber, a liberdade individual, a liberdade religiosa, a liberdade de opinião, a fruição da propriedade. " Nenhuma autoridade, escreve Constant, pode atentar contra estes direitos, sem destruir o que a qualifica". O homem é um templo, e neste templo, detem uma coisa divina;: a liberdade inviolável e inacessível. Nada mais é preciso para ser feliz do que "ser deixado numa independência perfeita" em tudo o que diz respeito ás suas ocupações, aos seus empreendimentos, à sua esfera de actividade , às suas fantasias. Esta "reserva" , tão necessária, em face do Estado não pode ser obtida, a não ser no seio do regime representativo. A soberania reside, sem dúvida, no povo, mas com a condição deste a não exercer por si próprio, antes dela se desligando em proveito dos seus delegados. Contra Rousseau, Constant demonstra que em nome da soberania do povo podem surgir e perpetuar-se as maiores tiranias. Enquanto na antiguidade a liberdade do cidadão se manifestava pelo exercício directo da soberania, hoje o homem livre não procura participar do governo, mas transfere este encargo para os seus representantes"(...)."O sistema representativo deve ser, portanto, organizado de maneira a assegurar o respeito da liberdade civil. Para este efeito, Constant distingue quatro poderes. o poder real, o poder executivo ou ministerial, o poder representativo partilhado entre duas Câmaras, uma hereditária, a outra eleita, o poder judiciário. A originalidade desta repartição é de separar claramente o poder real do poder ministerial. O Rei, aos olhos de Constant, deve exercer apenas uma autoridade "neutra"; paira, irresponsável, por cima das agitações humanas, velando pelo acordo dos outros poderes, mas sem acção sobre a marcha dos acontecimentos". É evidente que Constant, inspirando-se no exemplo inglês, quer refrear, na medida do possível, a força do executivo. Preocupado em defender o indivíduo no exercício dos seus direitos naturais, Constant repudia toda a intervenção do Estado nas relações dos homens entre si. Todo o triunfo do Estado é, aos seus olhos, um revés para o indivíduo. A acção social do governo não encontra adversário mais decidido que ele lembramdo, com todo o gosto, a Inglaterra, onde a ordem pública é tanto melhor assegurada "na medida em que é confiada à razão e ao interesse de cada um". São estas máximas que o fazem tomar posição em economia política contra a ingerência do Estado no plano industrial, que lhe inspiram a separação da Igreja e do Estado e, sob o nome de federalismo, uma forte descentralização municipal. "O que apenas interessa a uma fracção , escreve, deve ser decidido por essa fracção". A garantia suprema do liberalismo político permanece, segundo ele, no carácter censitário do direito de voto; só a propriedade dá aos cidadãos suficiente " interesse" para participar eficazmente no governo do estado, só ela lhe assegura o lazer necessário para "adquirir as luzes e a certeza de julgar bem". E isso é tão verdade que, segundo Constant, a liberdade é um "privilágio"que deve ser parcimoniosamente distribuído. Esta hostilidade em relação ao Estado mostra o caminho percorrido pelo pensamento político desde o século XVIII. Enquanto, para Rousseau, a organização politica tinha por fim assegurar aos cidadãos a fruição dos direitos naturais, para Constant. ela apenas é mantida para que estes direitos não sejam usurpados."
Jacques Droz, Histoire des Doctrines Politiques en France
(trad.J.Esteves Pereira)
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Uma passagem da REBELIÃO DAS MASSAS, de Ortega y Gasset, sobre Guizot(1787-1874) http://www.iscsp.utl.pt/cepp/autores/franceses/guizot.htm e os doutrinários

Quando Guizot, por exemplo, contrapõe a civilização européia às demais fazendo notar que nela não triunfou nunca em forma absoluta nenhum princípio, nenhuma idéia, nenhum grupo ou classe, e que a isso se deve o seu crescimento permanente e seu caráter progressivo, não podemos deixar de pôr o ouvido atento. Este homem sabe o que diz. A expressão é insuficiente porque é negativa, mas suas palavras chegam-nos carregadas de visões imediatas. Como do mergulhador emergente transcendem olores abismais, vemos que este homem chega efetivamente do profundo passado da Europa onde soube submergir. É, com efeito, incrível que nos primeiros anos do século XIX, tempo retórico e de grande confusão, se tenha composto um livro como a Histoire de la Civilisation en Europe. Todavia o homem de hoje pode aprender ali como a liberdade e o pluralismo são duas coisas recíprocas e como ambas constituem a permanente entranha da Europa. Mas Guizot teve sempre péssima publicidade, como em geral, os doutrinários http://en.wikipedia.org/wiki/Doctrinaires. Não me surpreendo. Quando vejo que para um homem ou grupo se dirige fácil e insistente o aplauso, surge em mim a veemente suspeita de que nesse homem ou nesse grupo, talvez junto a dotes excelentes, há algo sobremodo impuro. Talvez isto seja um erro em que incorro, mas devo dizer que não o procurei, que o foi dentro de mim decantando a experiência. De qualquer maneira, quero ter a coragem de afirmar que este grupo de doutrinários, de quem todo o mundo riu e fez mofas truanescas, é, a meu ver, o mais valioso que houve na política do continente durante o século XIX. Foram os únicos que viram claramente o que havia que fazer na Europa depois da Grande Revolução, e foram além disso homens que criaram em suas pessoas uma atitude digna e distante, no meio da rusticidade e da frivolidade crescente daquele século. Rotas e sem vigência quase todas as normas com que a sociedade presta uma continência ao indivíduo, não podia este constituir-se uma dignidade se não a extraía do fundo de si mesmo. Mal pode fazer-se isso sem alguma exageração, ainda que seja somente para se defender do abandono orgiástico em que vivia seu contorno. Guizot soube ser, como Buster Keaton, o homem que não ri. Não se abandona jamais. Condensam-se nele várias gerações de protestantes nimeses que haviam vivido em alerta perpétuo, sem poder flutuar à deriva no ambiente social, sem poder abandonar-se. Havia chegado a converter-se neles em um instinto a impressão radical de que existir é resistir, fincar os calcanhares no chão para se opor à correnteza. Numa época como a nossa, é bom tomar contacto com os homens que não “se deixam levar”. Os doutrinários são um caso excepcional de responsabilidade intelectual; quer dizer, do que mais tem faltado aos intelectuais europeus desde 1750, defeito que é, por sua vez, uma das causas profundas do presente desconcerto. Mas eu não sei se, ainda que me dirigindo a leitores franceses, posso aludir ao doutrinarismo como a uma magnitude conhecida. Pois se dá o fato escandaloso de que não existe um só livro onde se tenha tentado precisar o que aquele grupo de homens pensava, como, ainda que pareça incrível, não há tampouco um livro medianamente formal sobre Guizot nem sobre Royer-Collard. É verdade que nem um nem o outro publicaram jamais um soneto. Mas, enfim, pensaram profundamente, originalmente, sobre os problemas mais graves da vida pública européia, e constituíram o doutrinal político mais estimável de toda a centúria. Nem será possível reconstruir a história desta se não se estabelece intimidade com o modo em que se apresentaram as grandes questões ante estes homens. Seu estilo intelectual não é só diferente em espécie, mas o é de outro gênero e de outra essência em face de todos os demais triunfantes na Europa antes e depois deles. Por isso não os entenderam, apesar da sua clássica lucidez. E, todavia, é muito possível que o porvir pertença a tendências de intelecto muito semelhantes às suas. Pelo menos, asseguro a quem se proponha formular com rigor sistemático as idéias dos doutrinários, prazeres de pensamento não esperados e uma intuição da realidade social e política totalmente diferente das usadas. Perdura neles ativa a melhor tradição racionalista em que o homem se compromete consigo mesmo a procurar coisas absolutas; mas diferentemente do racionalismo linfático de enciclopedistas e revolucionários, que encontram o absoluto em abstrações bon marché, descobrem eles o histórico com o verdadeiro absoluto. A história é a realidade do homem. Não tem outra. Nela chegou a fazer-se tal e como é. Negar o passado é absurdo e ilusório, porque o passado é “o natural do homem que volta a galope”. O passado não está presente e não teve o trabalho de acontecer para que o neguemos, mas para que o integremos. Os doutrinários desprezavam os “direitos do homem” porque são absolutamente “metafísicos”, abstrações e irrealidades. Os verdadeiros direitos são os que absolutamente estão aí, porque foram aparecendo e se consolidando na história: tais são as “liberdades”, a legitimidade, a magistratura, as “capacidades”. Se alentassem hoje reconheceriam o direito de greve (não política) e o contrato coletivo. A um inglês tudo isso pareceria óbvio; mas os continentais ainda não chegamos a essa estação. Talvez desde o tempo de Alcuino tenhamos vivido cinqüenta anos pelo menos atrasados a respeito dos ingleses. (Do Prólogo para franceses, Edição em http://www.gropius.hpg.ig.com.br/ebooks/ortega.txt





Pierre Paul Royer-Collard(1814-1830)

http://en.wikipedia.org/wiki/Pierre_Paul_Royer-Collard

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